No dia 18/08/2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em sede de repercussão geral, no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n. 843989, importantes controvérsias na aplicação das normas inseridas pela Lei n. 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992 ou, simplesmente, LIA).
O recurso julgado pelo STF tem origem em ação civil pública ajuizada pelo INSS, em 2006, contra uma ex-procuradora, que, entre 1994 e 1996, teria atuado de forma negligente na condução de processos judiciais em que era representante da Autarquia.
Inicialmente, a procuradora foi absolvida pelo juízo de primeira instância, que entendeu pela inexistência de improbidade na situação concreta. Contudo, em grau de apelação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) anulou a sentença e determinou a reabertura da instrução processual, a fim de que as provas produzidas fossem reanalisadas.
A ex-procuradora, então, apresentou recurso ao STF. Em sua defesa, alegou que a ação já estaria prescrita, uma vez que teria sido ajuizada depois do prazo prescricional de 5 anos previsto na redação original da LIA. Além disso, suscitou também a aplicação retroativa das inovações trazidas pela Lei n. 14.230/2021, em especial quanto à necessidade do elemento subjetivo do dolo para configuração de ato de improbidade administrativa.
Diante da relevância da discussão, o processo foi levado ao Plenário Virtual do STF para fins de reconhecimento da repercussão geral da matéria nele discutida, sendo indicado como representativo do Tema n. 1199, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes.
Em 10/08/2022, o processo foi pautado para julgamento e, após quatro dias de análise da matéria, a Corte Superior, por maioria de votos, entendeu que a revogação da modalidade culposa de improbidade pela Lei n. 14.230/2021 não deve retroagir para os casos já transitados em julgado ou processos em fase executória. Por outro lado, a norma mais benéfica deve alcançar os processos ainda em curso, mesmo que ajuizados antes da referida Lei, hipótese na qual a existência ou não do elemento subjetivo doloso deve ser averiguada caso a caso pelo juízo competente.
Além disso, restou decidido também que o novo regime prescricional inaugurado pela Lei n. 14.230/2021, por configurar regra de direito processual, não deve retroagir, aplicando-se os novos marcos temporais somente a partir da publicação da nova Lei. O entendimento tem aplicação tanto para a prescrição intercorrente, quanto para a prescrição propriamente dita.
Ao final, foram fixadas as seguintes teses de repercussão geral:
(i) “É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 LIA – a presença do elemento subjetivo do dolo”;
(ii) “A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes”;
(iii) “A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”; e
(iv) “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
Em razão de seu caráter de repercussão geral, a decisão configura parâmetro decisório para todas as instâncias judiciais inferiores, que devem decidir casos semelhantes com base nas teses fixadas no julgamento do ARE n. 843989.