Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) foi instado a se manifestar acerca de qual marco temporal deve prevalecer para a utilização obrigatória da Lei n. 14.133/2021, que estabeleceu novas regras gerais de licitação e contratação para a Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e revogou a Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/93), a Lei do Pregão (Lei 10.520/02) e os arts. 1º a 47-A da Lei do RDC (Lei 12.462/11).
As discussões acerca do tema tiveram início em 31/08/2022, quando a Secretaria de Gestão do Governo Federal (SEGES) publicou o Comunicado n. 10/22, por meio do qual informou que, a partir do dia 31/03/2023, o Sistema de Compras do Governo Federal recepcionaria somente as licitações e contratações diretas à luz da Lei n. 14.133/2021, considerando o exaurimento temporal da eficácia jurídico-normativa das Leis n. 8.666/93, 10.520/02 e os arts. 1º a 47-A da Lei n. 12.462/11, nos termos do art. 193, inciso II, da Nova Lei de Licitações.
Assim, no entendimento da SEGES, o marco temporal para a transição entre as leis seria a data de publicação do instrumento convocatório ou aviso/ato de contratação direta. Com efeito, para aqueles editais publicados até o dia 31/03/2023, a Administração ainda poderia escolher entre licitar com base nas disposições da Nova Lei de Licitações ou, então, com base nos diplomas anteriormente aplicáveis. A partir da referida data, no entanto, seriam aceitos somente editais formulados com base na Lei n. 14.133/21.
Na oportunidade, a Secretaria de Gestão chegou, inclusive, a esclarecer que o entendimento adotado repousava em estrita consonância com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), quando da transição afeta à Lei das Estatais (Lei n. 13.303/2016).
Ocorre que, em setembro de 2022, a Advocacia-Geral da União (AGU) aprovou o Parecer n. 006/2022/CNLCA/CGU/SGU, por meio do qual se manifestou no sentido de que o marco temporal mais acertado para a aplicação da Lei n. 14.133/2021 seria, na verdade, a manifestação da autoridade competente, ainda na fase preparatória da licitação.
Como justificativa para o seu posicionamento, a AGU alegou que a Lei n. 14.133/21 seria clara ao determinar, em seu art. 191, que o prazo de 2 (dois) anos de transição concedido seria para o gestor público exercer a opção pelo diploma legal a ser aplicado na contratação e não para efetiva divulgação do instrumento convocatório.
Desse modo, no seu entendimento, a data da publicação do Edital ou aviso/ato de contratação seria indiferente para a definição da ultratividade da legislação a ser revogada, devendo prevalecer a possibilidade de utilização das Leis n. 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, mesmo após o dia 31/03/2022, desde que previamente registrado pela autoridade competente na fase interna da licitação, como forma, inclusive, de assegurar uma transição gradual e paulatina entre os regimes jurídicos.
Visando encontrar uma solução para os entendimentos dissonantes dos dois órgãos, em 13/12/2022, a controvérsia foi enviada para a análise do Tribunal de Contas da União, oportunidade na qual o Ministro Antônio Anastásia assim se posicionou:
“Em uma primeira avaliação, na condição de relator no Senado do projeto que culminou com o novo Estatuto de Licitações, identifico risco de excessiva dilação no prazo de aplicação das normas que o Parlamento buscou revogar (…) considero necessário e oportuno o cotejo entre as dicções firmadas pelo órgão colegiado da AGU e a jurisprudência deste Tribunal. Destarte, proponho à Presidência que, com a aprovação deste Plenário, determine à Segecex a realização de estudos conclusivos sobre a compatibilidade das teses firmadas no Parecer n. 6/2022, da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Advocacia-Geral da União, com a jurisprudência desta Corte de Contas”.
Dando sequência às discussões, no dia 31/12/2022, a Secretaria de Gestão do Governo Federal publicou novo comunicado (Comunicado n. 13/2022), por meio do qual alegou a inexistência de óbice legal e de gestão em sua interpretação anterior para que a opção por licitar pelas leis mais antigas fosse feita até o dia 31/03/2023 e que, inclusive, tal posicionamento serviria como forma de evitar eventual inércia da Administração Pública em face das novas regras.
De todo modo, a SEGES informou que aguardaria o parecer conclusivo do Tribunal de Contas, para exarar um novo posicionamento acerca do tema, tendo em vista se tratar de “postura de maior respeito institucional e que maximizará a segurança jurídica”, pontuando, no entanto, que, até que sobreviesse essa manifestação,manteria, para todos os fins, o disposto no Comunicado n. 10/2022.
Resta, agora, aguardar o posicionamento definitivo da Corte de Contas, o que se espera que aconteça de forma célere, tendo em vista a proximidade do término do período de eficácia jurídico-normativa das Lei n. 8.666/93, 10.520/22 e 12.462/11 e a importância de se garantir uma transição o mais harmônica possível para a Nova Lei Geral de Licitações.