No dia 24/05/2023, a Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil do Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu a primeira avaliação acerca da possibilidade de o Governo desfazer um processo de relicitação em andamento, para manter as atuais concessionárias na operação dos ativos.
As discussões tiveram início com consulta formulada pelo Ministro de Estado de Portos e Aeroportos e pelo Ministro de Transportes, acerca da possibilidade de aplicação aos processos de relicitação de interpretação que considere a irretratabilidade e irrevogabilidade do procedimento apenas em relação ao concessionário e, em sendo tal entendimento possível, quais seriam as balizas técnicas aplicáveis para o encerramento do processo de relicitação por iniciativa do Poder Concedente.
Ao formularem a consulta, os ministros destacaram que, ao menos em um primeiro momento, inexistiria disposição legal que impedisse a União de rever a gestão das concessões. Contudo, caberia à Corte de Contas se manifestar de forma definitiva acerca do assunto, tendo em vista ser o órgão competente por analisar os casos de desestatização.
A consulta foi, então, encaminhada à Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil do TCU, para manifestação preliminar acerca do assunto, tendo o setor técnico se mostrado contrário à posição defendida pelo Governo Federal.
Isso porque, no entendimento da unidade técnica, “após a assinatura do termo aditivo de relicitação, a Administração Pública está vinculada a dar prosseguimento ao novo processo licitatório do ativo objeto da concessão que se encerra com a extinção do contrato de concessão vigente e a transferência do contrato de concessão para o novo concessionário”.
Como consequência, o processo de relicitação somente pode ser encerrado pelo cumprimento de seu objetivo ou, então, nas hipóteses de: (i) descumprimento do termo aditivo de relicitação por parte da concessionária, conforme previsto no art. 8º, inciso XII, do Decreto n. 9.957/2019; ou (ii) licitação deserta e/ou decurso do prazo de 24 meses, como previsto no art. 20, §1º da Lei n. 13.448/2017. Caso o processo de relicitação não tenha êxito por algum desses motivos, “deve o Poder Público instaurar ou dar continuidade ao processo de caducidade (encerramento)” do contrato.
Além disso, o setor técnico destacou que, considerando as dificuldades financeiras e operacionais pelas quais muitas das concessionárias envolvidas nos processos de relicitação passam atualmente, “parece improvável que a celebração de um novo acordo possa ser exitosa”, simultaneamente atendendo ao interesse público e suplantando os benefícios advindos da relicitação.
Não obstante o seu posicionamento inicial, a Unidade de Auditoria Especializada reconheceu a possibilidade de que o Plenário do TCU venha a decidir de modo divergente. Assim, elaborou uma série de critérios técnicos que, no seu entendimento, devem ser necessariamente considerados na motivação do ato de encerramento da relicitação, quais sejam:
· a contraposição dos motivos que levaram originalmente a Administração Pública a celebrar o termo aditivo de relicitação;
· justificativa para que o contrato de concessão continue no âmbito do Programa de Parceria de Investimento (PPI) e goze dos benefícios de sobrestamento das medidas destinadas a instaurar ou dar seguimento a processo de caducidade;
· demonstração de que os resultados alcançados com “a celebração de um novo acordo” superam os advindos da relicitação;
· demonstração da capacidade econômico-financeira do atual concessionário para adimplir as cláusulas contratuais em mora e implementar os investimentos necessários para a prestação adequada do serviço dentro do prazo requerido;
· restabelecimento integral das garantias a serem exigidas do atual concessionário para assegurar o Poder Concedente quanto ao inadimplemento contratual;
· submissão dos termos do “novo acordo” à consulta pública para possibilitar a manifestação da sociedade;
· avaliação econômico-financeira da vantajosidade da celebração do “novo acordo”;
· relação de estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados ao objeto do “novo acordo”, com a discriminação dos custos correspondentes;
· estudo de demanda atualizado e desenvolvido a partir das características do “novo acordo”, inclusive projeção das receitas operacionais, relação das obras e dos investimentos obrigatórios e não obrigatórios a serem realizados, orçamento detalhado e atualizado das obras, relação das medidas mitigadoras e/ou compensatórias dos impactos ao meio ambiente, estudo contendo descrição exaustiva de todos os elementos que compõem a matriz de repartição de riscos do empreendimento, entre outros.
Agora, a questão segue para a análise do Ministro Relator, Vital do Rêgo, que pode seguir com a posição defendida pela Unidade de Auditoria ou, então, propor novo entendimento, o qual deverá, ainda, passar pela apreciação do Plenário da Corte de Contas.
Não obstante a questão estar longe de ser resolvida, o setor privado recebeu com certo receio a manifestação exarada pelo setor técnico do TCU, por entender que os requisitos sugeridos para a motivação do ato de desistência de relicitação poderiam demorar anos para serem atendidos, afetando a janela de oportunidades para a celebração de um acordo entre as concessionárias e o Poder Concedente.
O parecer da unidade técnica da Unidade de Auditoria pode ser acessado na íntegra no link: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/processo/*/NUMEROSOMENTENUMEROS%253A887720238/DTAUTUACAOORDENACAO%2520desc%252C%2520NUMEROCOMZEROS%2520desc/0/%2520